sábado, 12 de setembro de 2009

O BACURIN DE TICO DE OLEGÁRIO

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O BACURIN DE TICO DE OLEGÁRIO

Estatura mediana, compleição fisica de boxeur-amador, carimbado por uma ligueira calvície a denunciar-lhe quatro décadas de gozada existência, inteligente no falar e no saber ouvir os circundantes, olhar perscrutador ao encarar ocasionais interlocutores, voz de sambista aposentado, eis um apressado perfil do meu amigo Francisco Ribeiro Neto, alcunhado carinhosamente de Tico de Olegário, zeloso agente da Policia Cícil a quem, por certo, devo um grande favor, do qual, de 1980, atualizanto minha documentação legal, foi dele que recebi minha primeira RG, por ele mesmo providenciada junto ás autoridades competentes da Secretaria de Segurança Pública, em João Pessoa.
Oriundo de uma geração que parecera envelhecer em apenas duas décadas, identificado com siglas tais como IAPI, IAPC, IPASE, IAPTEC, não foi nada fácil adaptar-me aos novos tempos com seus INSS e similares, e, para mim, muito especialmente, o até então desconhecido CPF.
Com a nova identidade em mãos, graças ao Tico de Olegário, caí em campo, inclusive à cata de uma CTPS como direito a registro no PIS/PASEO siglas totalmente desconhecidas, às quais me fui achegando, pouco a pouco. Assim, paulatinamente, fui recuperando meus direitos cidadãos atravéis da burocracia oficial. Aquele achado, merecia uma comemoração! E fomos comemorar justamente na modesta casa do meu grande de infância, na estreita Rua Argemiro de Figueiredo, se mal não recordo. Conosco, Geraldo Sertão, acalorado botafoguense; o Meiri, que já se foi do nosso convívio; Felizardo Leite, também, ambos de saudosa memória. Lá pelas tantas, rompendo o cerco de inúmeros curiosos a se abalançarem sobre a pequena mesa farta, a cachaça rolando pelas canelas, meu gentil anfitrião pegou-me pelo braço e, apontando em direção ao chiqueiro, foi se desculpando porque "a patroa não esperava tanta gente; hoje lhe oferemos apenas um tira-gosto... mas tavendo aquele bacurin?... vou engordar e marcar um almoço tampa, pra ninguém botá defeito. Você será meu convidado especial''. Evidentimente, disse-lhe não se preocupar, sua atenção me bastava, da sua esposa, também; que não se aperriasse comigo. Este fato, acontecido há quase dezoito anos, jamais fugiu-me da memória. Quase que diariamente encontro-me com o Tico de Olegário, bolsinha a tira-colo, andar apressado, viajando à Capital, sempre a serviço da Segurança Pública. Dá-me esporádicas lembranças de Chico Zacarias e me fala como orgulho do seu sobrinho Sávio '' é o maior desenhista da Imprensa Paraíbana'', gesticula como se empunhasse um lápis de cor sobre incolor cartolina, e corroboro afirmando ser ele, o Sávio, senão o melhor, um dos mais versáteis chargistas da imprensa escrita em nosso Estado.
E o nosso bacurin? - provoco-o no limite da franca e mútua intimidade.
Estou em falta com voc~e, reconheço, mas um dia ainda vou lhe surpreender na minha nova residência, onde instalei uma pequena fábrica - responde sempre bem humorado, na presença do Poeta Nilton Mendes e do Dr. Carlos Fernandes, no aconchegante bar de "Mané Jovito". Está a precisar dos meus préstimos e me disponho a ajudá-lo no que for preciso, dentro das minhas naturais limitações.
Ô, Paulo... - abre os braços como a iniciar um discurso, porque tem um novo projeto e não sabe como dar início, como levar à prática tão belas idéias. Quer concretizar seu maior sonho; escrever a biografia do seu venerando pai, Olegário Cascavel. Tico velho, meus parabéns! Muitas vezes procurei Danúbio para falar sobre Mãe Borrego. Terminou morrendo sem me dar sequer uma entrevista sobre aquela santa mulher que dezenas e dezenas de filhos ''pegou" à luz de velas. O arquivo que você guarda na memória sobre o velho Olegário Cascavel, que bem merece seja editada sua biografia, é o suficiente. O próprio Anchieta, teu irmão, consagrado compositor popular, pode ajudá-lo nessa justa homenagem familiar.
O negócio, rapaz, é que tenho tudo na memória. O mais dificil é desengavetar, desembuchar, você me entendeu? - disse-me angustiado, e compreendi sua natural preocupação. Sem comprometer-me profissionalmente, sugeri-lhe horas e horas de entrvistas. Quém sabe, dessas entrevistass. surgirá o esboço biográfico do inesquecível Olegário Cascavel, uma das figuras populares mais surpreendentes e cativantes que nossa geração conheçeu...


(A UNIÃO, Sexta-Feira, 08/05/1998
Paulo Conserva
Escritor/Jornalista

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